terça-feira, 26 de novembro de 2013

"Not my piece of Cake"

NOT MY PIECE OF CAKE

                A mais nova revolução nos aplicativos – e que tem deixado todo mundo falando o tempo todo, principalmente os homens – é o tal de Lulu. Se você é como eu e primeiramente achou que era alguma coisa a ver com o Lulu Santos, está redondamente enganado. Lulu é um aplicativo para dar notas a homens – sim, nota, como uma mercadoria.

É mais ou menos isso - Luluception.


                Pra começar, vou deixar bem claro que sou contra qualquer coisa que dê notas as pessoas – é claro, porque isso objetifica uma pessoa. É como chegar num mercado e perguntar “Você gostou dessa nova trakinas de farinha integral?” e você ser obrigado a responder que sua nota é 2, porque essa nova fórmula da bolacha é realmente uma merda, e tudo que você queria era a velha de volta – e não, você não gostou. Está entendendo onde eu quero chegar? É um mercado, exatamente igual – e dessa vez um mercado de homens.

                Agora voltando um pouco a situação – é claro que isso deixou todos os homens muitíssimos revoltados. Ontem mesmo um primo meu veio comentar do assunto comigo, sentindo-se ultrajado – e eu fui obrigada a calar a boca dele. Sabe porque? Porque é assim que as mulheres tem sentido a vida toda.
                Não diga, Laura! – você deve estar pensando. Pois digo sim: é exatamente assim que somos tratadas pelo universo em geral. Deixa eu contar uma pequena história – só minha, coisas que enfrentei na minha vida – e que ao mesmo tempo, pertencem a um monte de mulheres espalhadas por aí.

                Com sete anos, votaram na menina mais bonita da sala – os meninos. Meninas, obviamente, não poderiam opinar sobre o assunto. Fizeram uma medalha de papel. Com onze anos havia uma lista das meninas mais bonitas – incluindo a sala toda, os votos dados pelos meninos – que foi pregada na nossa sala de aula. Para todas as garotas verem. Com doze anos jogávamos “verdade, desafio, nota ou consequência” e toda vez que perguntavam nota para um dos garotos a pergunta era sempre relacionada ao rosto/seios de uma menina. Tínhamos doze anos, não estávamos nem com a cara formada ainda – e já recebendo notas.

                Isso tudo até os treze anos. Treze anos – a maioria de nós ainda brincando de bonecas, mas mesmo assim dolorosamente atentas aos que os outros iam falar de nós. Como iriam nos julgar. Sempre foi assim – os garotos dando notas pras meninas.

                Recebo notas desde o dia em que nasci. Todas as mulheres. Quem nunca ouviu de soslaio alguma tia ou amiga dos pais falando por trás – “ela não é muito bonita, coitada”, e você não tinha nem dez anos. Sabe o que importa numa criança? Ela ser feliz. Ela acreditar em Papai Noel e se empanturrar de bolo de chocolate aos sábados. Ela saber ler e escrever, ter uma educação, e responder “obrigadx” por favores. A risada de uma criança é a coisa que mais vai importar. Não a beleza.
                Só que a vida continua, e as meninas crescem. Com quinze anos, as listas pararam – ou pelo menos pararam de aparecer bem debaixo de nossos narizes. Ainda se fala, é claro – o ensino médio inteiro sabe quem tem a cara mais bonita, ou quem é a mais “fácil”, ou quem tem peitos maiores. Porque não importa – uma vez que cresceram dando notas, ninguém vai mais parar. Recebemos notas quando saímos na rua – nós, mulheres – assediadas por caras passantes, pedreiros, e o que vier. Recebemos assobios que não são bem vindos – e aquilo ali é uma nota, uma nota que a sociedade insiste em jogar na cara de todas as meninas.
                E assim nós aguentamos. Tanto as “feias” quanto as “bonitas” – as que receberam maior nota e as que não receberam. Se você estava na parte debaixo da lista, tinha vontade de arrancar seus cabelos e chorar. Se estava no topo, a primeira coisa a pensar era – e se eu cair? E se eu não for mais a mais bonita?

                E agora aproveito para dar o recado: isso aqui não é um concurso de Branca de Neve, para ver quem é mais bela do que eu ou do que as outras. Essas notas foram impostas – e nós como garotinhas, não fomos ensinadas porque tínhamos que contestá-las. Apenas a aceitávamos como se fosse a verdade divina divulgada pelo Espírito Santo na Terra – que os meninos sempre decidiriam quem é bonita ou não.

                Com essa história do Lulu, a coisa virou completamente de ponta cabeça. Agora são os homens os ofendidos – e vamos dizer que como não estão muito acostumados, a reviravolta é gigantesca. Homens proferindo ódio por todos os lugares porque receberam um “6”. Vou mais longe e dizer que provavelmente mereceu – e finalmente, a “vingança” das mulheres está vindo a tona. É claro que não foi proposital – mas sentir uma espetada dessa na sua pele não é fácil, não é?

                Espero que a coisa comece a mudar. Como os homens obviamente não gostaram de serem postos a nota e à venda, quem sabe venha uma iluminação divina mesmo e faça com que eles parem de fazer o mesmo com as mulheres. Como diz minha melhor amiga, “pimenta no dos outros não arde” – o que é bem verdade. E com as coisas ardendo em chamas nos olhos dos homens, agora quem sabe aprendem a respeitar mais um pouquinho. A parar com essa baboseira de “fulana é mais bonita que ciclana”. Pra começar que gosto é de cada um, né, e quem é você pra julgar universalmente tanto a fulana quanto a ciclana?

Mas agora, parece que essa palhaçada está acabando. Vai tarde, se me perguntar – as mulheres ganham mais auto-estima aos poucos e percebemos que a única pessoa que deve estar feliz com a nossa aparência somos nós mesma. Dane-se a sociedade, os parentes, e os garotos. Eles não vão ditar nada disso para nós.

                O que mais me deixou revoltada nessa história, na verdade, foi como essa babaquice desse aplicativo completamente obscureceu os frequentes casos de revenge porn que tem acontecido. Revenge porn, pra quem não sabe, é a “pornografia da vingança” – quando um ex/ou qualquer pessoa libera fotos íntimas da vítima para internet como ato de vingança. Esse caso me deixou com uma náusea imensa só de ler comentários. Uma das vítimas recentemente cometeu suicídio – e tudo que se via era “nossa, bem feito, quem mandou essa vadia ser burra?”.

                O fato é que não é burrice – frequentemente as fotos são liberadas por ex-namorados e opressores das garotas. Essas meninas também receberão notas – notas pelas fotos divulgadas, fora do controle delas. Elas confiaram nas pessoas, e essas pessoas a traíram – mas adivinha quem leva a culpa? Isso mesmo, essas meninas.

                E pior – pessoas julgando-as por terem tirado esse tipo de foto. Deixa eu explicar: cada um tem uma coisa de que gosta. Se ela gostou de tirar essas fotos, o problema é dela – e não é da sua conta. É propriedade dela, e sua vontade era para não divulgar para mais ninguém. Vou explicar de maneira mais simples: Eu odeio feijoada, por exemplo. Mas sei que muita gente gosta, por isso não estou impedindo ninguém de comer. Essas fotos são a feijoada – alguns gostam, alguns não, e os que não gostam não tem direito nenhum de opinar sobre as pessoas de opinião contrária.

Se pensarmos bem, isso na verdade se aplica a todas as coisas do mundo – religião, sexualidade, propriedade, etc. Quando homens julgam sobre o aborto, o problema não é deles – é das mulheres. São elas que ficam grávidas. Quando heterossexuais querem impedir a comunidade LGBTQA* de se casar – a opinião deles também não deveriam contar. Eles já podem se casar – opinem sobre o casamento hétero, então. Mas a nossa sociedade é tão estúpida que ateus dão opiniões sobre questões religiosas, religiosos nos gays, homens sobre o corpo das mulheres e assim por diante. Se cada um apenas se mantivesse no lugar que entende ou no lugar que pertence – acredite, o mundo estaria bem mais organizado.

                É a essência do provérbio inglês – “not my piece of cake”, ou seja, “não é meu pedaço de bolo”. Pode ser que você não goste desse bolo nem concorda com ele, mas porque está impedindo outras pessoas de gostarem dele? Como esses dias mesmo foi colocado no tumblr, esse tipo de coisa é como você chegar num restaurante, pedir um bolo e alguém completamente aleatório de outra mesa berrar: “GARÇON, CANCELE ESSE BOLO! EU NÃO POSSO EXPLICÁ-LO PARA MEUS FILHOS!”. O que é a coisa mais absurda desse mundo inteiro. E é claro, o pedaço de bolo metafórico serve para todas as coisas polêmicas da vida – casamento gay, fotos nuas, sites pornôs, etc. Poderia dar uma lista gigantesca de todas as coisas afetada por esse problema estúpido.


                Enfim, como eu disse em meu próprio twitter – começarei a levar esse Lulu a sério quando algum homem se suicidar pela nota que tirou. Por enquanto, temos milhares de meninas suicidando-se pelas notas que levaram na escola e na vida, e não em um aplicativo babaca – desculpem-me, mas vou ficar do lado das mulheres nessa questão.  E quem sabe assim, quando os garotos estão finalmente sentindo na pele o que é isso – quem sabe conseguimos parar de dar valor a essa coisa abstrata que é a beleza, e começar a ver o que realmente importa.


-L

ps: com essa história do aplicativo lembrei daquele que o Mark Zuckerberg criou antes do facebook, que mostra no filme "A Rede Social". Como a própria ex-namorada dele diz quando ele faz isso, é porque ele é um babaca. 
ps2: Sério, reclamar da nota que você está recebendo só te faz mais idiota. Por favor não faça isso se quer manter o mínimo da sua dignidade.
ps3: Como colocou a Lara Luccas em seu facebook - QUOTE:


Olha que curioso: eu tenho um perfil que eu chamo de corpo que habita o app Rua.

E eu sou avaliada constantemente. Nesse app e em todas, TODAS as outras redes. E na maioria eu não posso pedir pra sair. Não posso mandar uma mensagem e ter meu perfil livre de avaliações. E nesses apps não existem hashtags pré-definidas, os usuários escolhem na hora, sem limite de crueldade ou educação. Eles não respondem um breve questionário sobre mim antes de definir essas tags porque eles não precisam me conhecer pra me dar nota e me avaliar.



Vocês podem fazer isso no Lulu. E nem são assediados ou invadidos fisicamente.
Vocês podem simplesmente pedir pra sair.
Tá.
É fácil. Manda lá mandarem tirar e tchau.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Parece vitrola quebrada, mas não é

Antes de mais nada esse é mais um post sobre o feminismo. Eu sei leitor, eu sei: parece uma repetição infindável. Você se pergunta: mas outra vez? E o pior de tudo é que sou obrigada a responder: outra vez, meu querido. Outra vez.

Se vocês acham que são os únicos que se cansam disso, não são - todas nós nos cansamos. É como ser mãe, quase, quando você é obrigado a repetir a mesma coisa 10261281 vezes até que alguém entenda. Nós também cansamos de repetir a nós mesmas o tempo todo. É quase como ter um rádio quebrado, e todos os dias ter que acordar, ver alguma coisa e dizer: "não, veja bem, não é assim que funciona. o feminismo... etc etc". Nossa vida se torna uma repetição também, e ninguém gosta disso.

Mas o pior não é nem a repetição: é o fato de sermos OBRIGADAS a nos repetir. Toda vez que penso: "ai vou ter que explicar essa história toda outra vez", sempre fico encucada pelo fato de muitas pessoas AINDA não entenderem o feminismo. Gente, é moleza.

Agora está desenhadinho pra vocês. Não preciso nem de um comentário sarcástico adicionado.

Mas tudo bem. O problema é que nós somos obrigadas a repetir umas duzentas coisas - a definição de feminismo, porque cantadas na rua não são legais, o que tem de errado em culpabilizar a vítima de um estupro, a importância da mulher negra na luta pra o feminismo e mais um monte de outras coisas. Mas agora imagina você acabar de explicar um monte de coisas bem bonitinhas, e está tudo certo e legal e tudo mais e de repente - BAM MAIS UM COMENTÁRIO MACHISTA QUE VOCÊ TEM QUE TENTAR RESOLVER.
Isso cansa, é claro. Tem dias que estou cheia de paciência e explico para amigos/interessados/pessoas aleatórias para melhorar, num tom bem paciente. Às vezes é quase como ensinar um bebê. Mas tem dia que simplesmente não dá para aguentar.




É bem assim mesmo.

E lá vai você de novo começar o discurso. Eu sei que é chato - nem eu gosto de ter que repetir a mim mesma. Mas toda vez que penso - é para uma causa maior. É para conseguir melhorar alguma coisa. Se a cada mês eu estiver conseguindo educar pelo menos uma pessoa, meu trabalho já vale a pena. Pode ser pouco - mas é de pouco em pouco que conseguimos mudar o mundo, não é mesmo? Ninguém consegue mudar isso sozinho.

Eu queria concluir o post com um pedido: um pedido simples. Da próxima vez que alguém vier falar de feminismo para você, por favor, não revire os olhos. Não faça cara de nojo. Se fosse irrelevante, nenhuma de nós estaria fazendo isso - e no entanto, a cada comentário machista/sexista/homofóbico/etc que vejo, é difícil ficar calado. Ou melhor - não vou ficar calada. Basicamente, o movimento existe porque quando alguém fala de feminismo, os outros revirem os olhos.
Não revire seus olhos.
Essa porcaria é importante!

-de alguém que está cansada de ter que repetir a mesma coisa
L

ps: todo esse post foi causado por ver alguém no twitter reclamando de um aplicativo em que se avalia quão bonitos caras são. "se fosse do sexo oposto taria todo mundo reclamando". ESTARÍAMOS SIM PORQUE JÁ DEU DESSA MERDA SEXISTA OK
ps2: não concordo com nenhum tipo de aplicativo, mas já percebeu que agora os homens ficam todos revoltados quando acontece com eles? Pois é, bem vindo ao lugar em que a sociedade te faz se sentir um lixo - uma coisa que a maioria das mulheres tem que enfrentar todos os dias.