NOT MY PIECE OF CAKE
A mais
nova revolução nos aplicativos – e que tem deixado todo mundo falando o tempo
todo, principalmente os homens – é o tal de Lulu. Se você é como eu e
primeiramente achou que era alguma coisa a ver com o Lulu Santos, está redondamente
enganado. Lulu é um aplicativo para dar notas a homens – sim, nota, como uma
mercadoria.
É mais ou menos isso - Luluception.
Pra
começar, vou deixar bem claro que sou contra qualquer coisa que dê notas as
pessoas – é claro, porque isso objetifica uma pessoa. É como chegar num mercado
e perguntar “Você gostou dessa nova trakinas de farinha integral?” e você ser
obrigado a responder que sua nota é 2, porque essa nova fórmula da bolacha é
realmente uma merda, e tudo que você queria era a velha de volta – e não, você
não gostou. Está entendendo onde eu quero chegar? É um mercado, exatamente
igual – e dessa vez um mercado de homens.
Agora
voltando um pouco a situação – é claro que isso deixou todos os homens
muitíssimos revoltados. Ontem mesmo um primo meu veio comentar do assunto comigo,
sentindo-se ultrajado – e eu fui obrigada a calar a boca dele. Sabe porque?
Porque é assim que as mulheres tem sentido a vida toda.
Não
diga, Laura! – você deve estar pensando. Pois digo sim: é exatamente assim que
somos tratadas pelo universo em geral. Deixa eu contar uma pequena história –
só minha, coisas que enfrentei na minha vida – e que ao mesmo tempo, pertencem
a um monte de mulheres espalhadas por aí.
Com
sete anos, votaram na menina mais bonita da sala – os meninos. Meninas,
obviamente, não poderiam opinar sobre o assunto. Fizeram uma medalha de papel.
Com onze anos havia uma lista das meninas mais bonitas – incluindo a sala toda,
os votos dados pelos meninos – que foi pregada na nossa sala de aula. Para
todas as garotas verem. Com doze anos jogávamos “verdade, desafio, nota ou
consequência” e toda vez que perguntavam nota para um dos garotos a pergunta
era sempre relacionada ao rosto/seios de uma menina. Tínhamos doze anos, não
estávamos nem com a cara formada ainda – e já recebendo notas.
Isso
tudo até os treze anos. Treze anos –
a maioria de nós ainda brincando de bonecas, mas mesmo assim dolorosamente
atentas aos que os outros iam falar de nós. Como iriam nos julgar. Sempre foi
assim – os garotos dando notas pras meninas.
Recebo
notas desde o dia em que nasci. Todas as mulheres. Quem nunca ouviu de soslaio
alguma tia ou amiga dos pais falando por trás – “ela não é muito bonita,
coitada”, e você não tinha nem dez anos. Sabe o que importa numa criança? Ela
ser feliz. Ela acreditar em Papai Noel e se empanturrar de bolo de chocolate
aos sábados. Ela saber ler e escrever, ter uma educação, e responder “obrigadx”
por favores. A risada de uma criança é a coisa que mais vai importar. Não a
beleza.
Só que
a vida continua, e as meninas crescem. Com quinze anos, as listas pararam – ou
pelo menos pararam de aparecer bem debaixo de nossos narizes. Ainda se fala, é
claro – o ensino médio inteiro sabe quem tem a cara mais bonita, ou quem é a
mais “fácil”, ou quem tem peitos maiores. Porque não importa – uma vez que
cresceram dando notas, ninguém vai mais parar. Recebemos notas quando saímos na
rua – nós, mulheres – assediadas por caras passantes, pedreiros, e o que vier.
Recebemos assobios que não são bem vindos – e aquilo ali é uma nota, uma nota
que a sociedade insiste em jogar na cara de todas as meninas.
E assim
nós aguentamos. Tanto as “feias” quanto as “bonitas” – as que receberam maior
nota e as que não receberam. Se você estava na parte debaixo da lista, tinha
vontade de arrancar seus cabelos e chorar. Se estava no topo, a primeira coisa
a pensar era – e se eu cair? E se eu não for mais a mais bonita?
E agora
aproveito para dar o recado: isso aqui não é um concurso de Branca de Neve,
para ver quem é mais bela do que eu ou do que as outras. Essas notas foram
impostas – e nós como garotinhas, não fomos ensinadas porque tínhamos que
contestá-las. Apenas a aceitávamos como se fosse a verdade divina divulgada
pelo Espírito Santo na Terra – que os meninos sempre decidiriam quem é bonita
ou não.
Com essa
história do Lulu, a coisa virou completamente de ponta cabeça. Agora são os
homens os ofendidos – e vamos dizer que como não estão muito acostumados, a
reviravolta é gigantesca. Homens proferindo ódio por todos os lugares porque
receberam um “6”. Vou mais longe e dizer que provavelmente mereceu – e
finalmente, a “vingança” das mulheres está vindo a tona. É claro que não foi
proposital – mas sentir uma espetada dessa na sua pele não é fácil, não é?
Espero
que a coisa comece a mudar. Como os homens obviamente não gostaram de serem
postos a nota e à venda, quem sabe venha uma iluminação divina mesmo e faça com
que eles parem de fazer o mesmo com as mulheres. Como diz minha melhor amiga,
“pimenta no dos outros não arde” – o que é bem verdade. E com as coisas ardendo
em chamas nos olhos dos homens, agora quem sabe aprendem a respeitar mais um
pouquinho. A parar com essa baboseira de “fulana é mais bonita que ciclana”.
Pra começar que gosto é de cada um, né, e quem é você pra julgar universalmente
tanto a fulana quanto a ciclana?
Mas agora, parece que essa
palhaçada está acabando. Vai tarde, se me perguntar – as mulheres ganham mais
auto-estima aos poucos e percebemos que a única pessoa que deve estar feliz com
a nossa aparência somos nós mesma. Dane-se a sociedade, os parentes, e os
garotos. Eles não vão ditar nada disso para nós.
O que
mais me deixou revoltada nessa história, na verdade, foi como essa babaquice
desse aplicativo completamente obscureceu os frequentes casos de revenge porn
que tem acontecido. Revenge porn, pra quem não sabe, é a “pornografia da
vingança” – quando um ex/ou qualquer pessoa libera fotos íntimas da vítima para
internet como ato de vingança. Esse caso me deixou com uma náusea imensa só de
ler comentários. Uma das vítimas recentemente cometeu suicídio – e tudo que se
via era “nossa, bem feito, quem mandou essa vadia ser burra?”.
O fato
é que não é burrice – frequentemente as fotos são liberadas por ex-namorados e
opressores das garotas. Essas meninas também receberão notas – notas pelas
fotos divulgadas, fora do controle delas. Elas confiaram nas pessoas, e essas
pessoas a traíram – mas adivinha quem leva a culpa? Isso mesmo, essas meninas.
E pior
– pessoas julgando-as por terem tirado esse tipo de foto. Deixa eu explicar:
cada um tem uma coisa de que gosta. Se ela gostou de tirar essas fotos, o
problema é dela – e não é da sua conta. É propriedade dela, e sua vontade era
para não divulgar para mais ninguém. Vou explicar de maneira mais simples: Eu
odeio feijoada, por exemplo. Mas sei que muita gente gosta, por isso não estou
impedindo ninguém de comer. Essas fotos são a feijoada – alguns gostam, alguns
não, e os que não gostam não tem direito nenhum de opinar sobre as pessoas de
opinião contrária.
Se pensarmos bem, isso na verdade
se aplica a todas as coisas do mundo – religião, sexualidade, propriedade, etc.
Quando homens julgam sobre o aborto, o problema não é deles – é das mulheres.
São elas que ficam grávidas. Quando heterossexuais querem impedir a comunidade
LGBTQA* de se casar – a opinião deles também não deveriam contar. Eles já podem
se casar – opinem sobre o casamento hétero, então. Mas a nossa sociedade é tão
estúpida que ateus dão opiniões sobre questões religiosas, religiosos nos gays,
homens sobre o corpo das mulheres e assim por diante. Se cada um apenas se
mantivesse no lugar que entende ou no lugar que pertence – acredite, o mundo
estaria bem mais organizado.
É a
essência do provérbio inglês – “not my piece of cake”, ou seja, “não é meu
pedaço de bolo”. Pode ser que você não goste desse bolo nem concorda com ele,
mas porque está impedindo outras pessoas de gostarem dele? Como esses dias
mesmo foi colocado no tumblr, esse tipo de coisa é como você chegar num
restaurante, pedir um bolo e alguém completamente aleatório de outra mesa
berrar: “GARÇON, CANCELE ESSE BOLO! EU NÃO POSSO EXPLICÁ-LO PARA MEUS FILHOS!”.
O que é a coisa mais absurda desse mundo inteiro. E é claro, o pedaço de bolo
metafórico serve para todas as coisas polêmicas da vida – casamento gay, fotos
nuas, sites pornôs, etc. Poderia dar uma lista gigantesca de todas as coisas
afetada por esse problema estúpido.
Enfim,
como eu disse em meu próprio twitter – começarei a levar esse Lulu a sério
quando algum homem se suicidar pela nota que tirou. Por enquanto, temos
milhares de meninas suicidando-se pelas notas que levaram na escola e na vida,
e não em um aplicativo babaca – desculpem-me, mas vou ficar do lado das
mulheres nessa questão. E quem sabe
assim, quando os garotos estão finalmente sentindo na pele o que é isso – quem
sabe conseguimos parar de dar valor a essa coisa abstrata que é a beleza, e
começar a ver o que realmente importa.
-L
ps: com essa história do aplicativo lembrei daquele que o Mark Zuckerberg criou antes do facebook, que mostra no filme "A Rede Social". Como a própria ex-namorada dele diz quando ele faz isso, é porque ele é um babaca.
ps2: Sério, reclamar da nota que você está recebendo só te faz mais idiota. Por favor não faça isso se quer manter o mínimo da sua dignidade.
ps3: Como colocou a Lara Luccas em seu facebook - QUOTE:
ps3: Como colocou a Lara Luccas em seu facebook - QUOTE:
Olha que curioso: eu tenho um perfil que eu chamo de corpo que habita o app Rua.
E eu sou avaliada constantemente. Nesse app e em todas, TODAS as outras redes. E na maioria eu não posso pedir pra sair. Não posso mandar uma mensagem e ter meu perfil livre de avaliações. E nesses apps não existem hashtags pré-definidas, os usuários escolhem na hora, sem limite de crueldade ou educação. Eles não respondem um breve questionário sobre mim antes de definir essas tags porque eles não precisam me conhecer pra me dar nota e me avaliar.
Vocês podem fazer isso no Lulu. E nem são assediados ou invadidos fisicamente.
Vocês podem simplesmente pedir pra sair.
Tá.
É fácil. Manda lá mandarem tirar e tchau.
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